O AMANHÃ

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6 min readApr 22, 2024

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por Jacob Needleman

Qualquer investigação da condição humana se defronta inevitavelmente com a dimensão do tempo. De onde viemos? Para onde estamos indo? O que herdamos do passado? De que futuro nos aproximamos? Nessa época tumultuada em que vivemos, ansiamos por segurança. Gostaríamos de ter a certeza de que os desafios de hoje darão lugar a uma maior compreensão, compaixão, comunicação e responsabilidade no futuro. Se somos pessimistas, desconfiamos que a perspectiva do futuro é ainda mais desanimadora do que o momento presente. para alguns, o desenvolvimento das armas nucleares parece ter nos levado á iminência da aniquilação. Deste modo a pergunta se transforma: existe um futuro para o homem? Pela primeira vez na história a preservação de nossa espécie é questionada.

Quando os filósofos refletem sobre o futuro da humanidade, raramente imaginam uma destruição definitiva de todas as coisas. Eles vêem mudança e transformação em vez de fim. Alguns dizem que, diante dos horrores de uma possível catástrofe nuclear, do desastre ecológico, da superpopulação, da fome ou simplesmente de uma diminuição gradual do potencial genético da espécie, trata-se de ingenuidade. Outros defendem que é da natureza do pensamento não ser capaz de conceber seu próprio fim. Contudo, filósofos das mais variadas correntes acreditam que temos sim um futuro. Esta convicção lhes vem de seus estudos acerca do passado e do presente, que revelam não um movimento histórico linear, mas cíclico. Surgimento, desaparecimento e ressurgimento: em tudo o que acontece é difícil determinar um único momento que seja final. A conclusão de uma fase dá início à outra. Isto parece especialmente verdadeiro em ralação à vida.

Cabe ao homem forjar seu próprio futuro ou este simplesmente o aguarda, inevitável, como a fatalidade ou o destino? Existe para nós um futuro enquanto indivíduos, membros de uma espécie (Homo sapiens) ou como habitantes deste planeta? Temos todos o mesmo futuro ou ele chega de modo diferente para cada um de nós?

A evolução, a partir de Darwin, passou a significar uma força biológica que opera igualmente para cima e para baixo na escala da vida orgânica. O homem vive sob as mesmas leis de evolução que a medusa do mar, a mosca e a andorinha. A evolução, segundo esta perspectiva, procede automaticamente, como a gravidade, a radioatividade ou as leis da acústica. Não obstante, nem todos os filósofos endossam esta posição. Para alguns, o homem tem atributos e potencialidades que o diferenciam do resto do reino animal. Ele é qualitativamente diferente, além de ter uma massa encefálica maior do que os outros. O fator singular é a consciência. Bergson afirma uma diferença radical entra a consciência animal e a humana. Essa última “é sinônimo de invenção e de liberdade”. Em momentos de consciência, a liberdade, o oposto do automatismo, abre a pessoa para outro tipo de evolução, uma evolução criadora na visão de Bergson. Esta capacidade não é simplesmente criadora — ela cria a si mesma, tanto no sentido de que o eu passa a existir através dos atos da liberdade quanto no sentido de que estes requerem nossa participação consciente. Temos de equilibrar nossas funções intelectuais, fazendo uso tanto das capacidades intuitivas, não-analíticas, quanto das capacidades críticas e discriminatórias. Para evoluir, precisamos começar a pensar de modo novo.

Nietzsche também discute a ideia de evolução individual. Para ele, cada pessoa é uma promessa vazia até ser atualizada; cada pessoa é, em suas palavras, um “fragmento e enigma e acidente lamentável”. A evolução pessoal pressupõe ação e resolução, de modo que transforme a relação que se tem com o próprio passado: “para redimir aqueles que viveram no passado e recriar todo o ‘assim foi’, transformando-o num ‘assim eu quis’. Comumente, o passado é o que nos aconteceu; permanecemos passivos diante dele e o encaramos como um fardo impessoal que nos oprime. O passado é, para cada indivíduo, o condicionamento pelo qual ele encontra o presente. Para introduzir a vontade no passado, para vivermos voluntariamente com nosso passado, precisamos neutralizar a influência do hábito. Isso impõe uma unidade de propósito entre os diferentes hábitos dissociados que até então impediam o refinamento das nossas energias. Quando finalmente liberamos as energias bloqueadas podemos criar ou recriar a unidade à qual pertence o futuro da humanidade.

Há, entretanto, um outro ponto de vista. Podemos concordar que uma força evolutiva puramente biológica seja inadequada para iluminar a relação do homem com o futuro, assim como podemos acreditar que a consciência seja o fator sine qua non para o homem continuar evoluindo. Podemos, todavia, não concordar em situar o indivíduo no centro do progresso consciente. Poderíamos dizer que cada pessoa é apenas um elemento na massa da consciência planetária e que nada mais lhe é solicitado do que o pleno desenvolvimento de suas próprias capacidades. A evolução do potencial humano superior prosseguiria assim inexoravelmente, independentemente das nossas vontades.

A evolução realmente segue numa única direção ou tem um único significado? Todos estamos sujeitos à mesma “lei” de evolução? Ouspensky crê que a resposta não é tão simples assim. Falar de uma cadeia evolutiva única é ilusório. É necessário discernir diferentes níveis de um processo, cada nível exibindo sua própria consciência particular. Uma investigação do futuro humano deve se basear na consciência não apenas dos seres humanos, mas também dos seres que estão acima e abaixo de nós. Ouspensky conclui que a evolução é a “consequência da incursão num determinado plano de propriedades e caraterísticas de um plano superior”. Os momentos verdadeiramente “evolucionários” da consciência de uma pessoa são literalmente ascendentes. Eles colocam a pessoa em contato com uma realidade normalmente fechada a ela, conquanto pertencente a um outro nível.

Ou o futuro prosseguirá da mesma maneira que o presente ou ele será o veículo da transformação. Mas o que é transformação? Ela difere da simples mudança da mesma forma que o previsível difere do verdadeiramente inesperado. Se não experimentarmos uma nova existência, que envolva nossos pensamentos, sentimentos e aspectos físicos, não teremos realmente nos transformado. Esta jornada demanda a travessia de um território desconhecido, exige que deixemos para trás o que conhecemos e nos tornemos receptivos ao que se oferece a nós. “Como saber se isso é verdadeiro?” O cético que vive em cada um de nós, lembra-nos Idries Shah em sua parábola O conto das Areias, deve ser reconhecido para que possamos progredir. A dúvida deve dar lugar a uma atitude menos crítica; quando a dúvida é descartada, o caminho a seguir será revelado.

No que concerne ao futuro do homem, pode ser útil pensar em termos mitológicos, numa perspectiva mais ampla, mais cosmocêntrica que antropocêntrica. Em sua transcrição da lenda e Markandeya, o antigo sábio védico, Zimmer disse que o processo evolutivo está relacionado com o processo de dissolução. Uma nova criação acompanha e é necessariamente acompanhada de uma destruição do que passou. Nossa própria busca e empenho por um modo próprio de ser é apenas um fio finíssimo na imensa teia que sustenta o mundo. O esquema maior das coisas também deve ser levado em conta; a “significativa insignificância” de nosso próprio desenvolvimento pode assumir então, uma nova dimensão.

O sonho cósmico do deus Vishnu contém o passado e o futuro num único instante; Markandeya, ao escapar por instantes deste mundo de sonho, percebe que até então havia tomado o sonho pela realidade. Não raro, os sonhos têm sido encarados como previsões do futuro; mas como podemos saber o que significa um sonho quando nossa linguagem está aprisionada em conceitos, juízos e pensamentos que definem o que chamamos de estado de vigília? Isto nos lembra a ideia de Heráclito de que a natureza fala por meio de sinais. Para os adivinhos, ler um sonho é um problema de interpretação — e o excerto do Livro de Daniel, reproduzido mais abaixo, e um bom exemplo disso. Podemos também refletir sobre ocmo nosso estado de vigília difere do estado onírico. Seríamos capazes de ler os sinais do futuro em nosso mundo cotidiano se fôssemos mais sensíveis à sua linguagem? Deveríamos, entretanto, nos lembrar de que não raro desejamos conhecer o incognoscível e de que tendemos a deixar que nossa imaginação se perca na “leitura” do futuro que sonhamos. Pode ser que algumas vezes o futuro se anuncie para nós em algum sonho, mas precisamos nos conhecer muito bem para poder distinguir a mensagem verdadeira das interpretações estimuladas por nossos próprios desejos.

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