O AMANHÃ
TERTIUM ORGANUM de Ouspensky
P.D. Ouspensky nascido na Rússia, foi um célebre matemático e filósofo. Encantou-o desde muito cedo a ideia de uma quarta dimensão. Despertado pelas grandes questões sore a vida e o lugar do homem na ordem maior das coisas, ele buscou, por meios práticos e teóricos, uma base adequada para o ser e o conhecer. Seus livros mais importantes são Tertium Organum, Um Novo Modelo do Universo e Em busca do Milagroso.
Ouspensky levanta a questão do veículo que faz operar a força da evolução. Darwin demonstrou que a espécie é o órgão da evolução na natureza; ou outros, como Spencer, sustentaram que a cultura humana também é capaz de evolução. Ouspensky postula que só o ser humano individual pode evoluir, porquanto somente a consciência provê os meios para tanto, e a consciência é um atributo do indivíduo. Ele passa, então, a questionar se a evolução, a transformação da consciência individual tal como ele a define, é um evento reservado para o futuro ou se ela pode ocorrer também no presente.
O mundo vivo da natureza (incluindo o homem) é análogo ao homem, e é mais correto e mais conveniente considerar as diferentes formas de consciência, nas diferentes divisões e estratos da natureza vivente, como pertencentes a um organismo, e desempenhando funções diferentes mas relacionadas, do que vê-las como entidades separadas que evoluem umas a partir das outras. Assim, toda essa teorização ingênua a respeito da evolução se torna dispensável. Não consideramos que os órgãos e membros do corpo do homem evoluíram uns dos outros “em um determinado indivíduo”, e não devemos cometer o mesmo erro em relação aos órgãos e membros do corpo da natureza vivente.
Não repudio a lei da evolução, mas sua aplicação para explicar muitos fenômenos da vida precisa urgentemente ser corrigida.
Primeiramente, se aceitamos a ideia de uma evolução comum e geral, torna-se afinal necessário lembrar que as formas que se desenvolvem mais lentamente, os resíduos da evolução, podem não seguir, mesmo que num ritmo mais lento, a mesma evolução, mas iniciar uma evolução própria, desenvolvendo em muitos casos exatamente as propriedades que as fizeram ser excluídas da evolução básica.
Em segundo lugar, ainda que aceitemos a lei da evolução, não há necessidade de considerar que todas as formas existentes se desenvolveram umas a partir das outras (como o homem a partir do macaco, por exemplo). Nestes casos, é mais correto considerá-las as formas mais altas em sua própria evolução. A ausência de formas intermediárias torna esta visão muito mais provável do que a que é normalmente aceita, e que oferece um material tão rico para discussões sobre a obrigatória e inevitável perfeição de tudo — “perfeição” do nosso ponto de vista.
As concepções aqui apresentadas são como efeito mais difíceis que o ponto de vista comumente aceito sobre a evolução, da mesma forma como a concepção do mundo vivo como um “único” organismo é mais difícil; mas essa dificuldade deve ser superada. Já disse que o mundo real deve ser ilógico dos pontos de vista comuns, e que ele não pode de forma alguma tornar-se absolutamente simples e compreensível a todos. A teoria da evolução carece de muitas correções e acréscimos, bem como de um amplo desenvolvimento. Se considerarmos as formas que existem em um plano qualquer, será completamente impossível afirmar que todas são evoluções das formas mais simples desse mesmo plano. Algumas, sem dúvida, são desenvolvimentos das formas inferiores, enquanto outras resultaram do processo de degeneração de formas superiores; uma terceira categoria desenvolveu-se a partir dos resquícios de alguma forma evoluída, enquanto uma quarta resultou da incursão, naquele plano determinado de propriedades e características, de algum plano superior. É certamente impossível considerar que estas formas complexas se desenvolveram por um processo evolutivo dentro de um único e mesmo plano.
A classificação abaixo mostrará mais claramente esta correlação das formas de manifestação da consciência, ou de diferentes estados de consciência.
PRIMEIRA FORMA. Percepção do espaço unidimensional em relação com o outro mundo. Tudo segue uma mesma linha. As sensações não são diferenciadas. A consciência está imersa em si mesma, em seu trabalho de nutrição, digestão e assimilação dos alimentos etc. Este é o estado da célula, das moléculas, dos tecidos e órgãos do corpo de um animal, das plantas e dos organismos inferiores. No homem, corresponde à “mente instintiva”.
SEGUNDA FORMA. Percepção do espaço bidimensional. Este é o estado do animal. O que para nós é uma terceira dimensão, para o animal é movimento. Ele já percebe e sente, mas não pensa. Tudo o que ele vê lhe parece ser genuinamente real. No homem, esta forma corresponde à vida emocional e aos lampejos de pensamento.
TERCEIRA FORMA. Percepção do espaço tridimensional. Pensamento lógico. Divisão filosófica entre Eu e Não-Eu. Religiões dogmáticas ou espiritismo dualista. Moralidade codificada. Divisão entre espírito e matéria. Ciência positivista. A ideia de evolução. Um universo mecânico. Entendimento das ideias cósmicas como metáforas. Imperialismo, “materialismo histórico”, socialismo etc. Sujeição da personalidade à sociedade e à lei. Automatismo. A morte como extinção da personalidade. Intelecto e lampejos de autoconsciência.
QUARTA FORMA. Início da compreensão do espaço tetradimensional. Um novo conceito de tempo. A possibilidade de uma auto-consciência mais prolongada. Lampejos de consciência cósmica. A ideia e, por vezes, a sensação de um universo vivo. Esforço na direção do extraordinário. Sensação de infinitude. Início da vontade auto-consciente e momentos de consciência cósmica. Possibilidade de imortalidade pessoal.
Assim, a terceira forma inclui aquele “homem” que a ciência estuda. Mas a quarta forma é característica do homem que está começando a escapar do campo de observação do positivismo e do entendimento lógico.
[…]
EVOLUÇÃO OU CULTURA?
As perguntas mais interessantes e importantes no que diz respeito à consciência cósmica podem ser resumidas como se segue: (1) É a manifestação da consciência cósmica um problema que pertence a um futuro distante e a outras gerações? Isto é, é necessário que a consciência cósmica apareça como o resultado de um processo evolutivo, após séculos e milênios, para então tornar-se uma propriedade de todos ou da maioria? E (2) pode a consciência cósmica aparecer “agora” no homem contemporâneo, isto é, ao menos como resultado de uma certa educação ou desenvolvimento pessoal que contribuirão para o surgimento nele de forças e potencialidades dominantes? Quer dizer, pode ela surgir como resultado de “certa cultura”?
A mim parece que, a este respeito, as seguintes ideias são defensáveis:
A possibilidade de aparecimento ou desenvolvimento de uma consciência cósmica pertence a alguns poucos. Mas, mesmo no caso daqueles homens nos quais a consciência cósmica pode surgir, certas condições internas e externas bem definidas precisam estar presentes — uma “certa cultura”, a educação daqueles elementos que favorecem a consciência cósmica e a eliminação dos que lhe são hostis.
Os sinais distintivos desses homens nos quais a consciência cósmica tem a possibilidade de manifestar-se não são de modo algum estudados.
O primeiro desses sinais é a sensação constante ou frequente de que o mundo não é como aparece; que o mais importante nele não é em absoluto aquilo que se vê como mais importante. A busca do extraordinário, percebido como o único real e verdadeiro, resulta dessa impressão de irrealidade do mundo e de tudo o que está a ele relacionado.
Uma cultura de alto nível mental e grandes conquistas intelectuais não são condições necessárias, de maneira nenhuma. O exemplo de muitos “santos”, que não era intelectuais mas alcançaram indubitavelmente a consciência cósmica, demonstra que esta pode se desenvolver em bases puramente emocionais, neste caso como consequência da emoção religiosa. A consciência cósmica também pode ser alcançada por intermédio da emoção que está a serviço da criação — em pintores, músicos e poetas. A arte, em suas mais altas manifestações, é um caminho para a consciência cósmica.
Mas, seja como for, em todos os casos o desvelar da consciência cósmica requer uma “certa cultura” e uma vida correspondente a ela. De todos os exemplos citados pelo Dr. Bucke, bem como por todos os ouros que se poderia mencionar, não seria possível selecionar um único caso em que a consciência cósmica tenha de desenvolvido em condições de vida interior adversas a ela, ou seja, em momentos de absorção na vida “exterior”, com suas lutas, emoções e interesses.
Para a manifestação da consciência cósmica é necessário que o centro de gravidade de todas as coisas resida, para o homem, em seu mundo interior, na consciência de si, e de maneira alguma no mundo exterior.
Se supusermos que o próprio Dr. Bucke estava cercado por condições inteiramente diferentes daquelas em que se encontrava quando experimentou a consciência cósmica, então sua iluminação muito provavelmente não teria ocorrido.
Ele passou a noite lendo poesia em companhia de homens de alto nível de desenvolvimento intelectual e emocional, e estava voltando para casa repleto dos pensamentos e emoções daquela noite.
Mas se, em vez disso, ele tivesse passado a noite jogando cartas na companhia de homens de interesses comuns e conversa vulgar, ou numa reunião política, ou se tivesse passado a noite trabalhando no torno de uma fábrica ou escrevendo um editorial em que ele mesmo não acreditava, nem ele nem mais ninguém — então poderíamos afirmar com toda certeza que nenhuma consciência cósmica teria aparecido nele. Pois ela requer, indubitavelmente, uma grande liberdade e concentração no mundo interior.
Esta conclusão com respeito à necessidade de uma cultura especial, bem como de condições internas e externas que sejam definitivamente favoráveis, não significa necessariamente que a consciência cósmica tenha a probabilidade de manifestar-se em “todo homem” que se coloca sob tais condições. Há homens, provavelmente a grande maioria da humanidade contemporânea, em quem esta possiblidade simplesmente não existe. E, naqueles que já não a possuem de alguma modo, ela não pode ser criada por nenhuma cultura, assim como nenhum tipo nem quantidade de cultura pode fazer um animal falar a língua dos homens. A possibilidade de manifestação da consciência cósmica não pode ser inoculada artificialmente. Um homem simplesmente nasce ou não nasce com ela. Esta possibilidade pode se rsuprimida ou desenvolvida, mas jamais criada.
Nem todos podem aprender a discernir o verdadeiro do falso; mas aquele que pode não receberá esse dom do discernimento gratuitamente. É algo que exige muito esforço, muito trabalho, que exige coragem no pensar e no sentir.