O ESPECTRO DO AMOR

astronautfloral
7 min readJan 1, 2024

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Vivemos numa época em que as ideias convencionais sobre as relações humanas são cada vez mais questionadas; confrontamo-nos diariamente com os problemas do divórcio e da separação, da dissolução do núcleo familiar, da violência doméstica, da mentira e da falsidade nas amizades e da traição em todos os estratos sociais. A insegurança nas relações pessoais pode privar-nos dos benefícios da companhia de outras pessoas e nos tornar vulneráveis ás forças de desintegração. Tendemos ao pessimismo nas questões de afeto, sinceridade, respeito, amor e comunicação com os outros. Subestimamos o valor das relações de intimidade para o progresso do nosso próprio entendimento.

São as relações realmente necessárias para nós? Ou é o homem, por natureza, uma criatura solitária que apenas por fraqueza se volta para os outros? Alegar que as pessoas não são animais sociais, mas que se unem umas às outras, a exemplo de certos mamíferos predatórios, apenas por razões de defesa ou procriação, é dizer que todas as relações são apenas uma questão de conveniência. Aristóteles rejeita este ponto de vista. Ao examinar as necessidades do indivíduo, ele diz: “sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens”. Para ele, viver é uma questão de obedecer os ditames do “elemento de maior autoridade” no nosso caráter individual. Somente quando as diversas qualidades individuais e desejos concorrentes recebem a devida prioridade é que se pode viver do modo correto. Outrossim, diz Aristóteles, é de nossa natureza “viver com outros”, e não movidos pelo medo ou pelo desejo de dominar, mas em termos de igualdade, sem nenhum conflito entre a amizade e o amor-próprio. Amamos nossos amigos pela mesma razão que amamos a nós mesmos — para cultivar aquilo que acreditamos ser mais digno de admiração. Aristóteles remete a questão das relações humanas à constituição interna da própria pessoa: aquele que não é ele próprio, governado por bons princípios, será incapaz de apreciar as qualidades positivas dos outros.

Como, então, nossa “constituição interna” afeta o modo como nos relacionamos com as pessoas à nossa volta? Para Platão, a resposta é direta. Uma sociedade se organiza segundo as mesmas leis que criam a ordem interior de um indivíduo. Ambos são constituídos de três partes: intelecto, apetite e emoção; ambos têm um potencial para o conflito e a desarmonia ou, em sentido inverso, para a concórdia e a harmonia; ambos, para funcionar devidamente, exigem uma educação cuidadosa, que leve em conta as diferenças entre as três partes. Para funcionar corretamente uma pessoa precisa, portanto, ter respostas harmônicas — da mente, do corpo e das emoções — que sejam apropriadas à situação que se apresenta. Um Estado, para funcionar corretamente, precisa ensejar uma comunicação perfeita com seus membros e promover relações amistosas entre eles, cada um desempenhando o papel que lhe cabe na conservação do todo. Em sua versão de uma sociedade idealmente justa, Platão enfatiza não a igualdade natural das pessoas, mas as diferenças de suas aptidões naturais. Ele defende que as relações só funcionam realmente quando cada pessoa está “no lugar certo”. Para usar uma de suas metáforas preferidas, se cada instrumento de uma orquestra não estiver devidamente afinado e não tocar o que lhe compete, a música será dissonante e desagradável aos ouvidos.

Dois malucos e muitos eus.

Não nos dirigimos aos que consideram que a psicanálise vai bem e tem uma visão justa do inconsciente. Nós nos dirigimos àqueles que acham que toda essa história de Édipo, castração, pulsão de morte…, etc. é bem monótona, e triste, um romrom. Nós nos dirigimos aos inconscientes que protestam. Buscamos aliados. Precisamos de aliados ”– Deleuze, Conversações

Escrevemos o Anti-Édipo a dois. Como cada um de nós era vários, já era muita gente” (Deleuze & Guattari, Mil Platôs I).

Na visão de Platão, quando as pessoas se engajam numa relação, fazem-no em consonância com suas verdadeiras naturezas, uma vez que tenham descoberto em que elas consistem. Além de nos envolvermos com outras pessoas, também nos relacionamos com animais, obras de arte, objetos e com a própria natureza. Por vezes parece que realmente nos unimos com o outro; por um momento uma conexão entre todas as coisas parece possível e o ego se encolhe a ponto de desaparecer. A pessoa é sustentada por uma sensação de pertencimento. Mas, em seguida, com a dissolução do momento e o retorno à identidade ordinária, a experiência ( de um pôr-do-sol, de uma sinfonia ou de uma pessoa amada) é submetida à análise, classificação e avaliação. Colocamo-nos novamente fora dela. É como um obscurecimento de nossa visão. Como diz Tagore, o medo assume dimensões ilimitadas no escuro, porque ele é a sombra do eu que perdeu sua sustentação no todo…”

À questão de se o relacionamento é ou não uma possibilidade real para as pessoas, damos uma anuência vacilante. Oscilamos entre a comunhão gratuita e silenciosa com nosso meio e a apropriação de uma experiência com vista aos nossos próprios objetivos. Ao mesmo tempo em que fazemos parte de um tecido sem costuras, estamos separados dele pelo modo como interpomos o pensamento entre a realidade e nós mesmos. Valorizar mais profundamente uma relação é também cultivá-la, da mesma forma como se cultiva o amor pela grande arte. Esta dualidade no homem é retratada de outra maneira por Gabriel Marcel. Para ele, num extremo está a experiência de sentir-se constrangido, como, por exemplo, entrar num lugar onde não se conhece ninguém. A situação cria uma tensão física e intelectual que impede o estabelecimento de qualquer relação. Vemo-nos como definidos por um passado ao qual o outro impõe uma ameaça imaginária. Compare-se esta situação com aquela em que se dá a verdadeira “intersubjetividade”, como Marcel a denomina, cheia de imagens, pressuposições, fantasias ou expectativas compartilhas ocupando o espaço intermediário entre as pessoas. A luta para encontrar um ponto de encontro, contra a negação, pelo ego, da realidade do outro é a “luta pela existência”, a luta para ampliar o sentido do eu de modo que inclua nele o direito dos outros à existência. É preciso incluir a experiência do outro, seja ela agradável ou desagradável para nós.

Isto nos remete a uma outra questão: qual o papel do desejo no âmbito de nossas relações? De ordinário, é fácil perceber a preponderância que atribuímos a ele. Procuramos estabelecer laços com pessoas que nos fazem sentir bem e evitar aquelas que nos causam desconforto. Encaramos uma certa emoção (uma “sensação agradável”) como um sinal positivo em uma relação, e mesmo como sua finalidade, e tendemos a esquecer que um relacionamento também pode nascer a partir da oposição e da resistência. Mas a evolução do entendimento é capaz de, no curto prazo, divergir da busca da felicidade; o preceito “Amai vossos inimigos”, apresentado por Jesus de Nazaré, pode significar que se deve procurar no adversário o que ele tem em comum conosco. Não que o prazer não seja importante, mas fazer dele o centro da vida é amesquinhar a própria existência, ao invés de ampliá-la. Na tocante fábula de Assaradão, Rei da Assíria, Tolstói observa: “Somente podes tornar melhor tua vida interior pela destruição das barreiras que separam tua vida da vida dos outros seres, encarando os outros como encaras a ti mesmo, amando-os”. Inclinado a uma atitude de vingança, Assaradão percebe que executar seu inimigo significaria destruir também a si próprio.

Raramente temos uma experiência intensa de unidade com aqueles que achamos irritantes, repulsivos, perigosos ou sem graça; existem, entretanto, situações em que a compreensão pode coexistir com emoções negativas. Isto aponta para a possibilidade do vínculo, a despeito da oposição. O fato de a intimidade poder ser alcançada pelo antagonismo sugere que precisamos estar mais atentos a todas as coisas que, em nós, apresentam resistência ao estabelecimento de relações com os outros.

Um ingrediente básico de qualquer relacionamento — seja com uma criança, um professor, um sócio, um adversário, um animal, ou mesmo com uma ideia — é a atenção. A atenção é necessária para o próprio surgimento da relação. Seu contrário, a falta de atenção, a atitude de não levar o outro a sério, ergue um obstáculo. Quando nossa atenção esmorece, deixamos de considerar todos os aspectos daquilo em que estamos envolvidos. Deixamos, por exemplo, de ver o que a outra pessoa está tentando nos comunicar realmente e reagimos de acordo com nossas noções preconcebidas. Mas dar atenção não é necessariamente uma questão de fazer a outra pessoa “sentir-se bem”. Como bem sabe todo pai e professor, há momentos em que um choque abrupto e desagradável na sensibilidade do outro é muito mais proveitoso. preocupar-se de verdade com o bem do outro demanda tanto um bom conhecimento da pessoa em questão quanto dos seres humanos em geral. O fato de que raramente estamos preparados para a tarefa só vem ressaltar o tamanho da responsabilidade que o cuidado com o outro implica. Não será o caso de nossa leviandade generalizada se colocar muito frequentemente como obstáculo para o estabelecimento de relações mais profundas e intensas?

Explorar mais atentamente as exigências inerentes às relações é o que faz o Sermão da Montanha. Nele, Jesus enfatiza a necessidade de estarmos vazios de nós mesmos (“pobres de espírito”) para que posamos ser preenchidos pela substância de uma relação; e a necessidade de sermos equânimes (“pacíficos”) para evitar a agressão. Uma sutil predisposição ao julgamento está no cerne de todo estado de isolamento; em todas a s nossas tentativas de estabelecer relações com os outros, temos de aprender a superar esta limitação e seguir para além dela.

Olhar para o rosto do Outro. Por 5 minutos durante 40 semanas enquanto converso com ele para ver o que acontecera. A Ética nasce quando encontro o rosto do Outro. Isso é básico não é? Básico. Emmanuel; Levinas; ética; rosto.
celebridades me dão um certo desconforto. uma memoria de eva-maria cristalizada. todos podem fazer isso, não se impressione com celebridades. uma pessoa pra ser famosa ela precisa fazer alguma coisa absurda.
As mães de pet estão horrorizadas.
just relax, just relax

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